sexta-feira, 6 de novembro de 2009

8. "No jejum perpétuo"

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O P.e Mariano Pinho tem um lugar especial na biografia da Alexandrina, nada substitui o seu testemunho. Além disso, como se sabe, está prometido que ele irá ser canonizado. Por isso, colocamos aqui o capítulo do seu No Calvário de Balasar, onde ele aborda o tema do jejum.

Desde o dia em que cessaram os êxtases da Paixão, cessou também a Alexandrina de comer e de beber: iniciou o seu jejum perpétuo que duraria mais de treze anos.
Ao princípio não estranharam o caso; afinal o que ela comia habitualmente durante uma semana não chegava para uma refeição de quem quisesse nutrir-se bem. De mais a mais já antes tinha suportado jejuns de cinco e até de dezassete dias seguidos. Mas desta vez foram passando semanas, meses, anos sem nada comer nem beber.
Já a 2 de Fevereiro de 1943, escrevia-nos o médico assis­tente, Dr. Manuel Augusto de Azevedo sobre o estranho caso:

É o anjo de sempre a seguir firmemente a missão que Deus lhe marcou para nosso bem. A sua alimentação, desde Março de 1942, Sexta-feira das Dores de Nossa Senhora — até fins de Maio do mesmo ano, consistiu em beber, a meia ma­nhã e a meia tarde, umas colherinhas de água com sal, sendo essa água fervida com um fiozinho de azeite, havendo porém nesse espaço de tempo um ou outro dia em que nada bebia.
De Junho de 1942 até hoje (isto é, nove meses) nada pôde engolir (sem que esteja aflita até vomitar o que engoliu), a não ser a própria saliva, a sagrada Hóstia e algumas gotinhas de água simples.
A isto — se quisermos ser lógicos (continua o médico) e conscientes, temos de chamar, embora respeitando a deci­são da Igreja, milagre de Deus.


Meses depois escrevia o mesmo médico:

Recebi o con­vite do Senhor Arcebispo Primaz, de levar alguns médicos a Balasar, a fim de, à face da Medicina, ser declarado o que se deve pensar a respeito da nossa querida doentinha...
Con­videi um médico católico do Porto — escreve ainda a 13 de Maio de 1943 — e teve medo. Convidei o especialista de doenças nervosas, Dr. Gomes de Araújo, dizendo-lhe que a doente não se alimentava e aceitou o convite. Convidei o es­pecialista de doenças de nutrição — agnóstico — e ficou ma­ravilhado, ao dizer-lhe que não se alimentava.
— Mas, se é verdade isso, temos um autêntico milagre! Que pena não ser internada no Porto, que isso seria para nós uma revelação (acrescentou).
Estive com o Prelado, segunda-feira, e ele quer os exames dos médicos.

Os Drs. Gomes de Araújo, Carlos Lima, Prof. da Facul­dade de Medicina do Porto, com o Dr. Manuel Augusto de Azevedo foram de facto a Balasar, mas pareceu-lhes finalmen­te que a doente devia absolutamente ser internada, pois não confiavam no valor real da vigilância feita na própria casa.
Vencidas não pequenas dificuldades, sobretudo por causa do estado melindroso de saúde da Doente, conseguiu-se de facto interná-la no Refúgio de Paralisia Infantil da Foz do Douro, para ser examinada unicamente sobre a sua abstinência alimentar pelo Dr. H. Gomes de Araújo.
O exame prolongou-se por quarenta dias e quarenta noites, com todo o rigor científico, como consta do Relatório apresentado, com o título: «Um notável caso de abstinência e anúria, por H. Gomes de Araújo, da Real Academia de Medicina de Madrid, director do Refúgio de Paralisia Infantil, especializado nas doenças nervosas e artríticas».
Aí se lêem estas palavras decisivas:

É para nós inteira­mente certo que, durante os quarenta dias de internamento, a Doente não comeu nem bebeu: não urinou nem defecou e esta circunstância leva-nos a crer que tais fenómenos possam vir a produzir-se de tempos anteriores. Não podemos duvidá­-lo. Os treze meses, como nos informaram? Não sabemos.

E termina luminosamente afirmando que há neste caso estranho tais pormenores que, “pela sua importância funda­mental de ordem biológica, tais a duração da abstinência de líquidos e anúria, nos tornam suspensos, aguardando que uma explicação faça a necessária luz”.
Não nos permite o espaço copiar aqui todo esse Relatório, donde são tiradas as citações que aduzimos; mas transcrevamos ao menos o atestado firmado em conjunto pelos Drs. Carlos Alberto de Lima e Manuel Augusto de Azevedo:

Nós abaixo assinados, Dr. Carlos Alberto de Lima, professor jubilado da Faculdade de Medicina do Porto, e Manuel Augusto Dias de Azevedo, doutor em Medicina pela dita Faculdade, atestamos que, tendo examinado Alexandrina Maria da Costa, de 38 anos de idade, natural e residente na freguesia de Balasar, do concelho da Póvoa de Varzim, verificámos que era portadora de uma afecção ou compressão medular, causa da sua para­plegia.
Atestamos também que, estando internada desde o dia 10 de Junho até ao dia 20 de Julho corrente, no Refúgio de Paralisia Infantil, da Foz do Douro, sob a direcção do Dr. Gomes de Araújo e sob a vigilância feita de dia e de noite por pessoas conscienciosas e desejosas de indagar a verdade, foi constatado que a sua abstinência de sólidos e líquidos foi absoluta, durante o seu internamento, conservando-se o seu peso, temperatura, respirações, tensões, pulso, sangue e faculdades mentais sensivelmente normais, constantes e lúcidas e não ha­vendo durante esses quarenta dias nenhuma evacuação de fezes nem a mínima excreção de urina.
O exame de sangue colhido três semanas após o inter­namento supramencionado vai junto a este atestado e por ele se vê que, considerada a dita abstinência de sólidos e lí­quidos, a Ciência não pode explicar naturalmente o que nele se registou, assim como, atentas as verdades da Fisiologia e Bioquímica, não pode ser explicada a sobrevivência desta Doente, por motivo dessa abstinência absoluta, durante os qua­renta dias de internamento, devendo-se salientar que a Doen­te, durante esse tempo, respondeu diariamente a muitas per­guntas e sustentou inúmeras conversas, manifestando a melhor disposição e melhor lucidez de espírito.
Enquanto aos fenómenos observados às sextas-feiras, pouco mais ou menos pela 17 horas oficiais, entendemos que pertencem à Mística, que se pronunciará sobre os ditos fenómenos.
Por ser verdade mandámos passar este atestado que as­sinamos.
Porto, 26 de Julho de 1943.
Carlos Alberto Lima
Manuel Augusto Dias de Azevedo


A par do Relatório médico, é interessante ler nas notas autobiográficas o que a própria Doente escreveu sobre esse epi­sódio: chega a parecer um romance, tão ao vivo nos descreve tudo e com tais pormenores. Aí se verá claro quanto sofrimento veio acrescentar à cruz já tão pesada da Alexandrina, essa prova a que ela se sujeitou exclusivamente para obedecer aos desejos do Prelado da sua Diocese.

Quarenta dias — escreve ela — passados na Foz!
Só Jesus sabe o que eu lá passei: quantos espinhos a ferirem-me! Quantas setas cravadas em meu coração! Quantas humilhações, quantas humilhações! Ra­zão tinha o meu Médico assistente, na minha ida para lá, ao colocar-me na minha testa um pano molhado, em dizer-me:
— Tem por aqui uns cabelos brancos, mas quando vier ainda há de ter muito mais.
E de facto assim aconteceu; eu já adivinhava tudo o que me esperava. Mas é tão bom passarmos tudo por amor de Jesus
.

Estava provada cientificamente a abstinência total da Ale­xandrina de sólidos e líquidos, e, hoje, que sabemos que esse jejum durou mais de treze anos, temos que assimilá-lo aos je­juns dos grandes místicos conhecidos na agiografia, como o de Santa Ângela de Foligno, que esteve doze anos sem tomar nenhum alimento; Santa Catarina de Sena, oito; Santa Liví­nia de Schiedman, vinte e oito, etc.
Os jornais falaram do estranho caso e por isso não ad­mira que, ao retirar-se a Doente para Balasar, tivesse imensos curiosos a querer vê-la: cerca de 1.500, ao que relataram.

Que impressão, meu Deus, aquele burburinho de povo! — escreve a Alexandrina — Não valeram as súplicas da minha Irmã, para que acabassem com aquilo. Não va­leram de nada os polícias. O mesmo Médico teve de ir à janela a dizer que se devia acabar, porque não era possível mais movimento, para não me matarem. Quanta gente jul­gava que tivesse morrido!
Eu de facto fiquei humilhada, abismada e cansadíssima com o nojo de mim mesma, pelos beijos recebidos, as lágrimas etc., que me deixaram no rosto, a dizer-me uma estima que não mereço e não quero.

Além dos Médicos supracitados, outros ainda, ao lerem o Relatório, atestaram que o caso não tinha explicação natural.
Ainda a 3 de Novembro de 1954, o Dr. Ruy João Marques, Prof. catedrático da Faculdade de Ciências Médicas e da Fa­culdade de Medicina da Universidade do Recife, especialista em assuntos de nutrição, declarava:

A meu ver, não é pos­sível explicar por meios meramente científicos — melhor di­ria, por meios médicos — o que se vem passando com a Sra. Ale­xandrina Maria da Costa. Nada faz crer, segundo se depreende dos minuciosos relatórios dos médicos... que se trate de um simples caso de histerismo, sobretudo porque é demasiada­mente prolongado o tempo que a observada passou e vem passando sem tomar o mínimo alimento. Por outro lado, estou certo de que não se trata igualmente de mistificação, pois a comissão (insuspeitíssima e à altura da investigação a proceder) que a observou por quarenta dias e quarenta noites, sob rigo­rosa vigilância, na Casa de Saúde “Refúgio da Paralisia In­fantil”, pôde constatar que, de facto, sua abstinência ali­mentar era total.
Ora essa ausência absoluta de consumo de substâncias nutritivas, durante tão largo espaço de tempo, cerca de 14 anos, se não me engano, não é compatível com a vida e muito menos com a manutenção da normalidade da temperatura, da respiração, do pulso, da tensão arterial, etc. etc. Até mesmo as funções psíquicas deveriam cedo se apresentar obnubiladas, mas é exactamente o contrário o que se verifica: sua vida in­telectual é intensa, suas relações afectivas são perfeitas, suas faculdades e seus sentidos absolutamente conservados.
Trata-se, pois, de um caso extraordinário, direi mesmo excepcional, de modo algum explicável por meios puramente naturais ou através de dados científicos.
Quanto ao progresso da mielite, muito provavelmente existente e responsável pela paralisia, nada tem a ver com a abstinência de alimentos, sen­do uma doença paralela.
Dr. Ruy João Marques

Não há dúvida: este ponto ficou brilhantemente demons­trado, ainda em vida da Alexandrina, o que não quer dizer que cessasse toda a oposição que se notava, em certos sectores, ao caso de Balasar. Pelo contrário, dir-se-ia que mais se agravou, como vamos ver. Mas tudo serviu para mais pôr em foco a virtude nunca desmentida da Doentinha.
Concluamos este capítulo com o que, a 7 de Dezembro de 1946, ouviu de Nosso Senhor:

Não te alimentarás jamais na Terra. O teu alimento é a minha Carne; o teu sangue é o meu Sangue divino; a tua vida é a minha Vida, de Mim a recebes, quando te bafejo e acalento, quando uno ao teu o Meu Coração.
Não quero que uses medicina, a não ser aquela a que não possas atribuir alimentação. Esta ordem é para o teu Médico.
É grande o milagre da tua vida.

(cfr. Hum­berto Pasquale — Alexandrina — trad. port., pág. 152)

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