sexta-feira, 6 de novembro de 2009

7 – A palavra à Alexandrina

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Na Autobiografia, a Alexandrina deixou um relato pormenorizado do que passou nos 40 dias em que esteve internada no Refúgio da Foz. Até porque a primeira parte dessa narrativa é mais conhecida, veja-se a parte final, também ela merecedora de leitura atenta:

Uma das vigias informou do que se passava, a meu respeito, um médico que não me conhecia nem conhecia o caso, o que levantou novas dúvidas.
Atreveu-se esse médico a dizer que não podia ser, que as vigias facilmente se deixavam enganar e que só acredita­ria, mandando para lá enfermeiras da sua confiança.
O Sr. Dr. Araújo, um pouco indignado por não acredi­tarem na observação feita por ele, exigiu que o mesmo mandasse então uma pessoa da sua confiança. E escolheu uma irmã dele. Quando nós pensávamos ver suavizada a nossa dor, foi então que se nos pediu nova prova, mais triste e dolorosa.
O Sr. Dr. Araújo procurou convencer-nos de que era conve­niente passar lá ainda dez dias, embora ele estivesse conven­cidíssimo da verdade, e, contra a vontade de minha irmã, ele insistiu que era preciso ficar para convencer o outro médico. Eu respondi-lhe: «Quem está trinta está quarenta». Assim é que ficou resolvido.
O Dr. Álvaro, na verdade, nem exigia tanto tempo, bastava-lhe só, para se convencer, que eu ficasse quarenta e oito horas sem comer e sem evacuar, e não exigia mais.
Foi o mesmo Dr. Araújo que, delicadamente, para honra do seu nome, convidou a senhora a ficar mais um dia, depois mais outro.
Mesmo depois de cumprida a sua missão, essa senhora voltou várias vezes a visitar-me, convencida enfim da verdade. Este último tempo foi um verdadeiro calvário e eu oferecia a Nosso Senhor e à Mãezinha este grande sacrifício. Dura prova, meu Deus!
(…)
Não faltaram as seduções para ver se eu tomava alguma coisa das suas comidas. Quando me mostravam os petiscos sem dizer nada, eu contentava-me com sorrir-lhes… E quando ofereciam a comida com palavras, eu agradecia: «Muito obri­gada!», mas sempre a sorrir, mostrando não compreender a sua maldade.
Quantas vezes me foi tirada a roupa toda para ser exa­minada!
(…)
Vendo a minha irmã desalentada que aparecia de vez em quando à bandeira da porta a perguntar se eu estava pior… procurava encorajá-la. Coitada! Ela ouvira a conversa do médico que o meu envenenamento era certo, por eu não evacuar. Coitados deles!... Jesus sabe fazer as coisas melhor do que os homens!
Na véspera da partida, fora o dia das visitas. Passaram ao pé de mim todas as criancinhas do Refúgio, a quem dei rebuçados e com quem rezei por todos os da casa.
A minha irmã sentia-se outra e todos o notaram. Fui visitada talvez por mil e quinhentas pessoas… Os polícias tiveram de intervir para manter a ordem. Achei muita graça a um dos polícias que, encarregado de manter a ordem, se limitou a pôr-se ao meu lado e ali ficou todo o tempo, contentando-se com dizer de vez em quando ao povo: «Passem! Passem!»
(…)
A primeira coisa que eu fiz foi pedir à minha irmã que me lavasse. No dia da partida, de manhã, o Médico, que não dormira quase nada, pela responsabilidade, chegou ao Refúgio onde muita gente esperava para poder visitar-me… e depois de estar um pouco comigo, deixou entrar algumas pessoas.
Foi então que nos disse que ficássemos à vontade e que a observação terminara; deixou a minha irmã comer ao pé de mim e disse-me: «No mês do Outubro terão lá, em Balasar, a minha visita, não como médico espião, mas como amigo que as estima».

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